
Entretanto, quando um segundo idioma é aprendido em outra fase, a abordagem é diferente e todas as etapas que constituem o aprendizado da língua mãe não são vivenciadas, fazendo com que a assimilação de novos sons, culturas e hábitos seja repleta de obstáculos, tais como: motivação, pronúncia, resistência em libertar-se do idioma nativos, dentre outros.
Além disso, sob o ponto de vista cerebral, alguns cientistas defendem a aprendizagem de idiomas é mais efetiva até o terceiro ano de idade, sendo que após esta época, torna-se uma tarefa mais difícil, devido à necessidade de o cérebro desenvolver uma nova rede para o aprendizado de línguas, enquanto outros discordam de tal afirmação, alegando que a aprendizagem deve ser iniciada mais tarde, como veremos mais adiante.
Portanto, pretende-se analisar - por meio de artigos, livros e observação empírica – se vale realmente a pena investir na educação bilíngüe desde a infância e a época mais apropriada e, se após esta fase, haverá dificuldades para tal. A seguir, relataremos o processo de aquisição de linguagem (língua materna), compreendendo a fase dos zero aos sete anos de idade e, posteriormente, os estudos feitos na área do aprendizado dos outros idiomas precoce e tardiamente.
AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM DOS ZERO AOS SETE ANOS
A aprendizagem da língua materna é mais fácil do que um segundo idioma, pois as crianças são estimuladas desde pequenas pelos familiares e educadores posteriormente, na maioria das vezes, utilizando somente um idioma. Contudo, para a aquisição do segundo, estas etapas não são vivenciadas pelo indivíduo, como já foi previamente citado na introdução. O senso comum acredita que estimular a criança em línguas diferentes atrapalha seu desenvolvimento cognitivo, mas estudiosos descobriram que “podemos preparar o cérebro para o multilingüismo” (KRAMER, 2005, p. 67).
A aquisição de linguagem, segundo a semiótica, é “a capacidade que a criança adquire, no decorrer do segundo ano de vida, de diferenciar significados e significantes” (LIMONGI, 1994, p.162). Ou seja, ela representa um objeto ausente ou um evento por meio dos símbolos ou signos.
Tal capacidade de aprender dá-se em uma área no cérebro chamada área de Broca, região situada no córtex responsável pela expressão verbal que se relaciona de maneira intrínseca com o lobo frontal e é válido salientar que o lobo frontal é o local que faz com que os indivíduos sejam seres sociais, pois é lá que reside a consciência e a capacidade de abstração, articulação, manipulação e reflexão.
Para entender o processo dentro do cérebro, deve-se compreender que o desenvolvimento da linguagem se inicia com o bebê que produz sons ao acaso, inicialmente, e posteriormente tornam-se repetições e exercícios. É a fase do balbucio, que perdura durante seu primeiro ano de vida.
As entonações e as palavras mais repetidas no dia-a-dia são de suma importância e despertam o interesse da criança e futuramente ela atribuirá o respectivo significado. Assim, “as primeiras palavras emitidas surgem a partir da repetição de uma mesma sílaba e nessa fase o fator interação tem importância preponderante.” (LIMONGI, 1994. p.165). Por exemplo, quando a criança pronuncia “mamama” acaba por significar mãe, pois adultos interagem e a sílaba ma é carregada de significado.
Posteriormente, a criança passa a utilizar-se de palavras para ilustrar situações. Limongi exemplifica de forma interessante:
[ada]- modo que a criança pronuncia - (água) pode traduzir “eu estou com sede, quero água”, “põe água na banheira da boneca”, “caiu água em mim, estou molhado”. Todos os meios não-lingüísticos de comunicação vêm em socorro da linguagem que não está ainda organizada de maneira suficiente para traduzir exatamente os desejos e necessidades da criança. (LIMONGI, 1994. p.166).
Este exemplo pode ser transportado para a realidade vivida por alunos já adultos que necessitam se comunicar em inglês e empregam uma palavra ou duas para expressar algo bem maior. Uma criança utilizando desta forma para comunicar-se é aceitável, contudo, para um adulto, tal postura não é apropriada. Supomos que o aluno só tenha visto inglês durante o período escolar e viu a necessidade de comunicar-se com outra pessoa. Lá no passado ele não teve a chance de desenvolver o idioma de maneira apropriada. Obviamente, não estamos falando que o aluno tenha que voltar à infância para aprender, mas se houvesse o estímulo nos primeiros três anos de vida, certamente as dificuldades em expressar-se seriam bem menos significativas, pois “passada a fase natural da aquisição da língua materna (...) é mais difícil aprender outra língua – ainda mais quando adultos” (KRAMER, 2005, p. 67).
O neurologista E. H. Lenneberg (1967) defendeu que dos vinte e um aos trinta e seis meses de vida da criança é a idade considerada crítica para se aprender um segundo idioma sem causar danos neurológicos a ela e, após esse período, sua capacidade vai diminuindo, sendo que após os doze anos de idade a fluência só viria com muito esforço e a gramática não seria perfeita.
Outros estudiosos concordaram com a teoria do neurologista, contudo, discordaram do fator cronológico, variando mais a idade a qual o aprendizado de línguas não interfere neurologicamente falando, sendo essa idade compreendida entre os quatro e dez anos de idade, onde o cérebro ainda é maleável o suficiente para permitir a aquisição de outro idioma facilmente, além de justificar que a língua materna ainda não está completamente estruturada e fixada na criança.
Estudos mais recentes, iniciados na Universidade Cornell – no estado de Nova Iorque – liderados por Karl H. S. Kim, investigou bilíngües precoces e tardios. É estabelecido que o bilíngüe precoce segue aprendendo duas línguas desde a infância e o tardio teve contato com outra língua a partir dos onze anos e posteriormente fixou residência por certo tempo no país nativo da segunda língua aprendida. O procedimento da experiência baseou-se em relatar, em ambos os idiomas, o que os bilíngües fizeram no dia anterior, enquanto a equipe observava o funcionamento cerebral em tomógrafos de ressonância magnética, máquinas as quais acompanharam o fluxo de sangue no cérebro, bem como incidências de maior atividade na região cerebral.
De acordo com o resultado do experimento, os pesquisadores perceberam que há uma diferença bastante evidente entre os dois grupos de bilíngües voluntários:
“Nos bilíngües tardios, ativava-se ali uma rede distinta de neurônios para cada língua; nos precoces, ao contrário, a rede mobilizada era sempre a mesma.” (KRAMER,2005 p. 67), concluindo, desta maneira, que a primeira rede da área de Broca tem formação nos primeiros anos de infância e, caso haja contato com duas línguas nesta fase de desenvolvimento, ela é considerada uma única rede bilíngüe e, em contrapartida, se o segundo idioma é abordado mais tarde, o cérebro precisa construir uma outra rede neural, podendo assim justificar a maior lentidão na aprendizagem e os respectivos reflexos negativos, como, por exemplo: problemas de pronúncia e assimilação de novas regras.
Existem também estudos realizados nas Universidades de Washington, Rochester e Oregon (nos EUA) e John Radcliffe Hospital (na Inglaterra) que também convergem com o que fora discutido anteriormente: crianças expostas a segunda língua antes da puberdade apresentaram padrões de atividades cerebrais diferenciados.
Assim sendo, no segundo ano de vida da criança, a aquisição de novas palavras e combinações é grande e ela se torna mais independente e tem autonomia e iniciativa para comunicar-se. Além disso, a linguagem também reconstitui ações passadas.
Já no segundo e terceiro anos, a criança tem a capacidade de descrever as ações - o que ela está realizando. Um grande número de regras sintáticas e morfológicas é evidenciado neste discurso e até mesmo é possível detectar a invenção de novas palavras. Isso é dado graças à brincadeira, pois a rede neural desenvolvida nesta época é baseada evidentemente em processos intuitivos: a imitação refletida na brincadeira da criança que nada mais é que a transposição de fatores oriundos do seu ambiente de convívio para seu mundo do faz de conta.
Limongi (1994) vê tal progresso como contemporâneo e ressalta que com este desenvolvimento a criança também ganha independência com relação a outrem, além de ganhar noção de tempo (tempos verbais e expressões temporais).
Para Winnicott (1975), a brincadeira ocorre na área entre a realidade externa e interna, o que é válido citar que objetos e fenômenos provenientes da realidade externa são usados a serviço de alguma mostra derivada da realidade interna. Com isso, a criança se sente agente e sujeito, criando a habilidade de aprender como conquista – como um exercício da vontade própria e não como submissão à vontade do outro. Brincar é universal e é representar, ou seja, tornar presente as situações cotidianas que foram vivenciadas pela criança. Ela também pode – nesta fase – reportar ações passadas e futuras e vocábulos de tempo são introduzidos, tais como: ontem e amanhã. Entretanto, estas expressões temporais ainda não são empregadas corretamente, de acordo com os tempos verbais utilizados pela criança.
Nesta fase, se a criança já tem o domínio de dois idiomas é excelente, pois a rede neuronal é única (situada na área de Broca) e se outro idioma é aprendido anos mais tarde, esta terceira língua é ativada na mesma área das outras duas, não necessitando a constituição de uma nova rede no cérebro; por outro lado, os multilíngües tardios possuem uma rede apropriada para cada idioma. Tal estudo foi conduzido por Cordula Nitsch, da Universidade de Basiléia. Segundo o neuroanatomista, os bilíngües precoces têm mais preparo para aprender mais línguas.
Somente aos cinco ou seis anos de idade que o espaço entre o acontecimento e o relato é ampliado. E, desta idade em diante, a criança já freqüenta a escola e a linguagem escrita é introduzida e o ensino formal de sentenças, fórmulas e regras se dão graças à linguagem que já possui, dando a chance de construir definições. Pode-se verificar, portanto, que estímulos são parte integrante e fundamental do processo de aprendizagem.
Durante esse período se dá a fase da descoberta da criança e é válido salientar que a construção do conhecimento se constitui a partir das experiências físicas e lógico-matemáticas. Através de tais experiências que ela poderá usar palavras, estruturas frasais (para fazer alusão às qualidades e relações) e, a posteriori, ela terá habilidade de ler e escrever sobre elas e compreender a comunicação escrita. “O conhecimento físico é proporcionado pelas ações sobre os objetos, o que possibilita a assimilação de suas qualidades”. (LIMONGI, 1996. p.100-101). Já o conhecimento lógico-matemático “consiste na compreensão das relações existentes entre os objetos e a criança irá estabelecer essas relações através de suas ações sobre os objetos” (LIMONGI, 1996. p. 101), ou seja, o número não é uma propriedade dos objetos, mas é o produto das ações da criança sobre coleções de objetos. E após tais experiências que ela estará apta a usar palavras e estruturas frasais (para as qualidades e relações), podendo assim ler e escrever.
Segundo os estudos abordados previamente, quanto mais cedo o contato com línguas melhor, pois não são incutidos certos traumas e as dificuldades de aprendizagem não são bastante evidentes, mas deixemos claro que os estudos não discriminam e nem abominam o aprendizado tardio, contudo este é concluído com maiores dificuldades e para o cérebro é mais trabalhosa a criação de novas redes neurais. Jürgem MEISEL apud KRAMER (2005) – da Universidade de Hamburgo - afirma que os bilíngües precoces atingem grande proficiência em ambas as línguas e que há diferenças entre eles e os tardios, pois este segundo grupo necessita “compensar a desvantagem neuronal com suas capacidades cognitivas, com motivação, afinco e temporadas no exterior”.
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